sábado, 29 de dezembro de 2012

A tia Júlia


Hoje a tia Júlia fez 17 anos. Comprou uns brincos grandes e vermelhos com que se enfeitou, calçou sapatos de pequenos saltos, saia branca travada, e saiu para as ruas floridas da sua cidade.
Foi assim que a viram e nunca mais a esqueceram...

Para a tia Júlia, agora, os anos eram já dias de inverno  em que o sol se escondia às 5 da tarde.

O tempo marcara-lhe a alma, mas compensava-o com o rejuvenescimento progressivo da memória.
Cada dia a tia Júlia estava mais próxima de nascer.


Travessia


Encontraram-se na primavera, quando a terra não sabe das flores mais do que a força de as sentir nascer.

Não perceberam a súbita mudança para o verão, quando as amoras se tornaram maduras e um fogo antigo ardia naqueles dias longos.

Entretanto, procuram-se nos pássaros que de dia atravessam os céus, e à noite dormem nas estrelas a caminho de uma nova estação.


Ti Ricardina e o mar


Ti Ricardina desfiava histórias na praia de Vila Chã. Contava-as rezando memórias de quem desdramatiza o que foi dor ou perda, talvez porque constituíram vida. E da vida sempre se vive com saudade.

Ali, onde as ondas musicavam as suas lembranças, Ti Ricardina contava os vivos descontando os mortos, recordava o Zé que, após o naufrágio, "saiu direitinho junto a casa dele" concluindo que a morte não o fizera esquecer o caminho.

Acabava uma história acrescentando-lhe um ensinamento, como quando lembrou o marido, falecido há poucos anos, que nas lides da pesca e à proa do barco dizia:
"Ó Mar, acalma-te! Deixa-me passar! Obedece a Jesus que o Senhor também obedeceu à cruz!"
sentenciava, então:
"Nunca se vira as costas ao mar, porque o mar é vivo e quer que se fale com ele."

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Eu e os outros

Das estrelas diria que são gente perdida no instante de uma vida. Cruzaram-se connosco, calcificaram memória e volatilizaram-se. Não têm corpo, não são presença, não são gosto nem desgosto. São ausência dorida.
Destes desejaria saber a história, perguntar-lhes como habitaram os seus dias, como e o que escreveram nas linhas das suas mãos, como entrançaram destinos, como viveram as palavras e os projetos que sonharam.
Entretanto, iluminam o universo e cruzam-se connosco em noites de insónia.
E porque são mais efémeros os encontros do que a própria vida, hei-de saber guardar comigo todos aqueles que, ainda hoje, não perdi.